No início da carreira, muitos arquitetos e arquitetas se veem em situações descritas por alguns como "patinar e não sair do lugar", pois suas expectativas não correspondem à realidade que encontram e isso só piora com o passar do tempo. Motivados pelo "ganho de experiência", os jovens profissionais se submetem a longas jornadas de trabalho, inclusive nos finais de semana, com baixos salários e muita exigência física e mental, o que muitas vezes resulta em um esgotamento do indivíduo (burnout). Por conta dessas condições de trabalho, o prestígio da profissão desaparece. Tendo isso em mente, como esses profissionais podem lutar pelos seus direitos trabalhistas após décadas de exploração? E o que está sendo feito para garantir esses direitos?
2021 teve seus eventos polêmicos. Após quase dois anos de instabilidade, muita preocupação e mudanças inesperadas no cotidiano das pessoas, elas não sentem mais a necessidade de fazer suas coisas como tradicionalmente faziam, principalmente quando o assunto é trabalho. Embora os casos de injustiça no ambiente de trabalho, a desigualdade salarial e a falta de diversidade estejam presentes nesse ambiente há muito tempo, a pandemia mudou drasticamente a relação do trabalhador com seu ofício, dando a oportunidade de eles manifestarem suas preocupações, definirem seus próprios limites e de garantirem que o bem-estar físico, mental e emocional deles estejam resguardados.
Apesar disso, em 2021 o ofício em si do arquiteto também esteve em pauta. Arquitetos, funcionários, estagiários e estudantes trouxeram a público suas condições “desumanas” de trabalho em seus perfis nas redes sociais, afirmando que, além de sobrecarregados, são mal pagos. Junto ao fiasco dos estágios não remunerados, que foi muito debatido há alguns anos, funcionários de escritórios mundialmente conhecidos, como OMA e Foster + Partners, mostraram como no mercado da arquitetura não existe a chamada “mentalidade 9-5 " (essa expressão é constantemente usada por empregadores para exigir que os funcionários trabalhem além do horário combinado).
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Recentemente, The New York Times divulgou alegações de funcionários do SHoP Architects que diziam que seu ambiente de trabalho os havia forçado a buscar alternativas para evitar as longas jornadas por salários mínimos. Os funcionários contaram como foram desencorajados a tirar folgas devido a prazos importantes e dispensados após trabalhar por meses até meia-noite sem serem pagos pelas horas extras. Embora no início desse ano o escritório tenha anunciado que se tornou 100% propriedade dos funcionários, nada foi transferido aos funcionários até agora e eles estão certos de que não terão muito controle ou opinião sobre a administração do escritório.
Como podemos mudar essas relações de trabalho na arquitetura e alcançar condições mais justas?
Uma das medidas mais conhecidas para funcionários combaterem ambientes de trabalho injustos é a sindicalização. Recentemente, após suas denúncias, os arquitetos do SHoP uniram-se com o objetivo de lutar por mudanças e tornar as relações de trabalho na arquitetura mais justas e igualitárias. Para tanto, fundaram a Architectural Workers United. Este sindicato já tem apoio internacional de organizações como a Architecture Lobby, por exemplo. Defendendo valores como transparência, inclusão, diversidade, apoio e capacitação, o sindicato agora busca afiliar-se à Associação Internacional de Maquinistas e Trabalhadores Aeroespaciais para dialogarem com o governo e terem suas queixas e demandas ouvidas.
No início deste mês, o Zaha Hadid Architects anunciou a transição do escritório para seus funcionários e o lançamento de seu programa de benefícios para empregados. Neste premiado escritório que emprega mais de quinhentas pessoas, tal mudança garantirá que os lucros gerados pelos projetos sejam reinvestidos no escritório, beneficiando toda a equipe e promovendo transparência administrativa, segundo uma nota pública do Zaha Hadid Architects. Mas como essa inclusão dos funcionários na gestão e na repartição dos lucros os beneficiam? Além do ganho financeiro, esse modo de gestão é visto como uma oportunidade de os empregados terem voz em decisões administrativas, afastando o usual sistema hierárquico. As sindicalizações já estão ocorrendo em escritórios do Reino Unido e dos Estados Unidos.
Junto aos sindicatos e a divisão dos escritórios entre seus funcionários, os governos também podem ajudar bastante na garantia dos direitos trabalhistas dos arquitetos. A maioria dos países tem leis que obrigam os empregadores a pagarem aos seus funcionários o equivalente a 1,5 horas de trabalho por cada hora extra trabalhada. Em alguns países chega até a ser ilegal que os empregadores contatem seus funcionários fora do horário de expediente para qualquer assunto relacionado a trabalho.
No contexto brasileiro, em especial, estamos ainda muito atrasados no debate sobre condições de trabalho para arquitetos e arquitetas. Diferença salarial entre gêneros e raças ainda é a norma e homens brancos ganham, em média, duas vezes mais que mulheres negras. Não chega a surpreender: aqui, carteira de trabalho assinada para arquiteto é artigo de luxo e regimes empregatícios que beiram a ilegalidade são muito conhecidos nas rodas de conversa. Nesse sentido, o que poderia ser feito para melhorar o panorama local? Como agir para garantir melhores condições de trabalho e remuneração mais justa para os profissionais da arquitetura no Brasil?